O Independiente del Valle possui um peso inegável para a história do Equador nas competições continentais, mesmo sendo um clube de ascensão recente. Os negriazules se tornaram o segundo representante do país a levar um torneio da Conmebol, algo que antes só a LDU Quito tinha conseguido. Além disso, a Copa Sul-Americana de 2022 garante a terceira final do time de Sangolquí, igualando a Liga de Quito no quesito – e à frente de outras agremiações equatorianas mais tradicionais que também jogaram finais, como Barcelona, Emelec e El Nacional. Os reflexos do bom trabalho do IDV, de qualquer maneira, se notam além dessa importância histórica. O sucesso recente da seleção do Equador está associado diretamente ao que realiza o Independiente del Valle nas categorias de base e à maneira como a equipe se tornou um exemplar formador de talentos.

A atual seleção equatoriana chama mais atenção pelo conjunto do que necessariamente por nomes. O time de Gustavo Alfaro fez sua excelente campanha nas Eliminatórias pautado no trabalho coletivo bem equilibrado, que rendeu uma classificação tranquila e menos dependente da altitude de Quito que em outros Mundiais. É possível que alguns dos destaques de La Tri ganhem mais cartaz nos próximos anos, considerando a juventude geral do elenco. Dos 28 convocados nesta Data Fifa, 18 deles possuem 25 anos ou menos. Durante a campanha nas Eliminatórias, os equatorianos chegaram a contar com uma escalação cuja média de idade foi de 24,4 anos, o segundo 11 inicial mais jovem da última edição da competição. E não é coincidência que tais números sejam influenciados pelo Independiente del Valle.

Indiscutivelmente, o Independiente del Valle possui o melhor trabalho formativo do Equador. E nem é exagero dizer que se coloca também entre os melhores da América do Sul. A Libertadores Sub-20 serve como prova: as três últimas edições do torneio tiveram o IDV na decisão. A equipe conquistou o título de 2020 em cima do River Plate, embora tenha pedido a taça em 2018 e 2022 para Nacional de Montevidéu e Peñarol. Os negriazules são o único time a disputar três finais do certame, em seis edições organizada pela Conmebol. Nada mais digno para uma agremiação que, em sua ascensão ao profissionalismo, se voltou bastante ao trabalho nas categorias de base. O próprio nome oficial traz isso, com a alcunha de “Clube Especializado de Alto Rendimento Independiente del Valle”. Montaram um CT de primeiro nível, contrataram ótimos olheiros, espalharam escolinhas pelo Equador. A questão é que o sucesso na lapidação de garotos até superou as expectativas e tornou o IDV não apenas forte no cenário nacional, como um time relevante no continente.

E as fornadas de talentos também se notam na seleção do Equador. Dos 28 convocados na última Data Fifa, apenas um jogador defende atualmente o Independiente del Valle: o goleiro Moisés Ramírez, de 22 anos. Em compensação, outros 13 atletas passaram pelo IDV na carreira. Nada menos que 11 se profissionalizaram pelos negriazules, enquanto o zagueiro Jackson Porozo deixou a equipe na base e se transferiu para o Manta. Ainda há o caso de Michael Estrada, um dos principais destaques das Eliminatórias. O atacante desembarcou em Sangolquí aos 22 anos, depois de surgir pelo Macará e defender o El Nacional. Foi quando estava no Del Valle que ganhou sua primeira convocação, embora tenha caído de rendimento antes de retornar ao Macará.

As principais promessas do Equador têm o selo da base do Independiente del Valle. É o caso do meio-campista Moisés Caicedo, que atualmente desponta como principal jogador do Brighton e atrai interesse de outros clubes de peso da Premier League. Também do zagueiro Piero Hincapié, que passou pelo Talleres após mal atuar como profissional no IDV e atualmente se coloca entre os titulares do Bayer Leverkusen. Dá para adicionar a essa lista o ponta Gonzalo Plata, que se transferiu para o Sporting e atualmente disputa La Liga com o Valladolid. Dos 18 jogadores de 25 anos ou menos na última convocação de La Tri, 10 são crias do Del Valle.

Há também alguns jogadores mais velhos da seleção do Equador que despontaram no Independiente del Valle. O meio-campista Carlos Gruezo deixou o clube em 2011, na segunda temporada da equipe na primeira divisão, e fez carreira sobretudo na Bundesliga, atualmente no Augsburg. O zagueiro Fernando León, por sua vez, foi nome constante dos negriazules de 2012 a 2019 e se transferiu ao Atlético San Luís do México após a conquista da Copa Sul-Americana. Em contraste, alguns dos mais jovens de La Tri igualmente são pratas da casa do Independiente del Valle, ainda que não continuem em Sangolquí. O meio-campista Patrickson Delgado sequer atuou pelo time principal do IDV, frequente apenas na filial Independiente Juniors, e aos 18 anos enverga a camisa do segundo quadro do Ajax. Já o ponta Anthony Valencia, de 19 anos, jogou só três vezes no time de cima dos negriazules, antes de se transferir para o Royal Antuérpia.

O Independiente del Valle campeão sub-20

É preciso ponderar que, sem grande poderio financeiro, o Independiente del Valle perde seus talentos cada vez mais cedo. O clube se tornou mais visado por sua qualidade na formação, assim como as boas campanhas na Libertadores Sub-20 também atraem os olheiros estrangeiros. O time campeão em 2020, que bateu o Flamengo de João Gomes na semifinal e depois frustrou o River Plate de Enzo Fernández na decisão, tinha quatro titulares que já defendem a seleção principal do Equador e não estão mais em Sangolquí – incluindo Moisés Caicedo e Hincapié. Já o time vice-campeão em fevereiro de 2022 viu Anthony Valencia partir para a Europa.

Se as transferências se tornam frequentes, o Independiente del Valle ao menos consegue fazer dinheiro para investir mais em seu setor formativo. O clube já realizou 22 vendas que superaram €1 milhão, com o recorde pertencente aos €5 milhões pagos pelo Brighton por Moisés Caicedo em 2020 – e esse negócio pode render ainda mais, considerando a porcentagem destinada ao formador na iminente revenda do meio-campista. Desde que realizou a sua primeira venda milionária, em 2014/15, o IDV já embolsou €53,8 milhões com a saída de jogadores. O lucro é imenso, considerando que foram gastos em reforços apenas €2,4 milhões no mesmo período, sem que nunca o clube passasse de €550 mil numa mesma janela.

Obviamente, as revelações de primeira linha não permanecem mais por tanto tempo no Independiente del Valle. Seria uma equipe bem mais forte se Moisés Caicedo, Hincapié e os demais pratas da casa recentes pudessem enfrentar o São Paulo. Mesmo assim, existem bons valores jovens que compõem o elenco. Moisés Ramírez não é um goleiro impecável, mas se coloca entre os melhores do Equador. O lateral Jhoanner Chávez, de 20 anos, está entre os principais jogadores da campanha na Sul-Americana e não deve demorar a pintar nas convocações de La Tri, candidato ao próximo ciclo. Já o meio-campo conta com Marco Angulo, também de 20 anos, titular na cabeça de área durante o título da Libertadores Sub-20 ao lado de Moisés Caicedo. O meio-campista tem um gol e três assistências na Sul-Americana, contribuindo com passes decisivos em ambas as semifinais sobre o Melgar.

Apesar da força do Independiente del Valle na base, ainda assim, é importante ressaltar que a ascensão do clube nas competições continentais sempre dependeu de uma mescla. Os negriazules uniam jogadores jovens com outros mais rodados em seus principais sucessos além das fronteiras. O time finalista da Libertadores de 2016 contava com uma média de idade de 26,4 anos em sua escalação titular. Um dos heróis da campanha, o goleiro Librado Azcona tinha 32 anos, com os uruguaios Christian Núñez e Mario Rizotto como outros trintões. A juventude ficava para nomes como Júnior Sornoza, Arturo Mina, Jefferson Orejuela e Luis Caicedo – que não estouraram como era esperado. Já o time campeão da Sul-Americana em 2019 entrou em campo contra o Colón com uma média de 27,3 anos. Eram quatro titulares de até 22 anos, entre eles o meio-campista Alan Franco, e quatro que passavam dos 30 anos, incluindo o capitão Efrén Mera.

Depois de momentos importantes, incluindo o inédito título do Campeonato Equatoriano de 2021, é interessante notar a formação principal do Independiente del Valle atualmente. A base titular confia em jogadores importantes de outros tempos, como os zagueiros Richard Schunke e Luis Segovia – este, uma promessa de outrora, atualmente com 24 anos. O meio-campo teve o retorno de Junior Sornoza após não estourar no Brasil, assim como confia em Fernando Gaibor, este tido como uma grande promessa nos tempos de Emelec. Ainda está lá também o argentino Cristian Pellerano, figura importante em outros momentos, já aos 40 anos. O ataque tem o rodadíssimo Jaime Ayoví, embora quem realmente chame atenção na Sul-Americana é o argentino Lautaro Díaz. O camisa 10 defendia Estudiantes de Buenos Aires e Villa Dalmine na segundona de seu país, antes de virar aposta do IDV. Arrebentou nas semifinais contra o Melgar, com três gols nos dois jogos.

O goleiro Moisés Ramírez

Nas escalações contra o Melgar, o Independiente del Valle teve uma média de idade de 26,7 anos. Eram seis jogadores com no máximo 25 anos, incluindo três sub-22 – os supracitados Moisés Ramírez, Jhoanner Chávez e Marco Angulo. Não foge muito do que é a política do clube, de garantir uma continuidade a atletas mais experientes, enquanto complementa muito bem o elenco com pratas da casa. É a identidade que também faz os negriazules chegarem longe na Sul-Americana, mesmo que a temporada seja de altos e baixos. Vale lembrar que o IDV foi eliminado na fase de grupos da Libertadores, atrás de Atlético Mineiro e Deportes Tolima em sua chave. Repescado para a Sul-Americana, também se valeu de um caminho relativamente mais acessível nos mata-matas, ao superar Lanús, Deportivo Táchira e Melgar – mas sem brasileiros pela incompetência de quem caiu antes.

E o impacto do Independiente del Valle também possui como um dos seus pilares a escolha de treinadores. As passagens costumam ser longas, em contratações que buscam sobretudo especialistas nas categorias de base, que facilitem a transição aos profissionais. Pablo Repetto foi o primeiro treinador a fazer seu nome em Sangolquí, contratado após ser campeão uruguaio com o Defensor. Ficou quatro anos a partir de 2012, levando o clube à final da Libertadores, até sair por uma proposta do Oriente Médio. Outros técnicos seriam mais fugazes nas temporadas seguintes, incluindo o colombiano Alexis Mendoza e o argentino Gabriel Schürrer. Isso até existir uma aposta em Ismael Rescalvo, espanhol de trabalhos relevantes por Envigado e Independiente Medellín na Colômbia.

Rescalvo não chegou a completar um ano no Independiente del Valle, atraído por uma oferta do Emelec. Seu substituto já estava no clube e era outro espanhol: Miguel Ángel Ramírez, contratado inicialmente para coordenar a base, após trabalhar com formação de jogadores no Catar. Seria ele o responsável pela conquista da Sul-Americana de 2019 e pelo amplo reconhecimento do IDV, até assinar com o Internacional. Já em 2021, os negriazules resolveram buscar Renato Paiva, português de longos trabalhos na base do Benfica, que dirigia o time B dos encarnados. Também deu certo, com a conquista do Equatoriano de 2021.

Paiva se despediu do Independiente del Valle em maio, ao receber uma oferta do León. A diretoria não precisou quebrar muito a cabeça para encontrar seu substituto: confiaram no argentino Martín Anselmi, de 37 anos, que vinha de uma passagem fraca pela Unión La Calera. Sua maior credencial era mesmo ter sido assistente de Miguel Ángel Ramírez em toda a passagem pelo IDV e também no Inter. Era alguém que conhecia os processos do clube e a aptidão nas categorias de base. Que, além do mais, não abandonaria o estilo de jogo agressivo que marca os sucessos dos negriazules nos últimos tempos, algo notado com Ramírez e também com Paiva.

O aproveitamento de Anselmi no Independiente del Valle é ótimo. Entre Campeonato Equatoriano, Copa do Equador e Sul-Americana, o comandante venceu 18 partidas e só perdeu três em 24 compromissos. A equipe segue na briga pelos dois títulos nacionais, enquanto repete a decisão da Sul-Americana três anos depois, embora não seja a favorita contra o São Paulo. Mas se nota como as escolhas acertadas do IDV não são por acaso. O projeto esportivo do clube é excelente, desde o aprimoramento dos jogadores à tomada de decisões. O sucesso alimenta o sucesso.

Mesmo que a taça não venha dessa vez, o Independiente del Valle tende a fazer campanhas dignas nas competições continentais por mais tempo. As distâncias econômicas em relação ao Brasil se tornam cada vez maiores, mas os negriazules têm sua fórmula para montar times competitivos com frequência. E o reconhecimento não deve vir apenas do que acontece dentro do clube. Se o Equador deixar uma boa impressão também na Copa do Mundo, é preciso salientar que um empurrão considerável nesse fortalecimento também bebe das fontes prolíficas que deságuam talentos em Sangolquí.

Por Leandro Stein na Trivela



Fonte: Trivela....from Trivela https://ift.tt/m5qjHlF
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