Publicado em Milton Gonçalves viveu o futebol de várias formas: nas arquibancadas e nos bastidores, nos palcos e nas telas

Milton Gonçalves é um nome obrigatório entre os maiores símbolos da dramaturgia brasileira. O ator e diretor, falecido nesta segunda-feira aos 88 anos, é um talento indiscutível que atravessou décadas e superou preconceitos para ganhar o reconhecimento como um craque de seu ofício. E que, como tanta gente, também tinha seu pé no futebol. Milton torceu e viveu o esporte, participando inclusive dos bastidores do Flamengo. Como um verdadeiro apaixonado, também exaltou o futebol como retrato da vida, a ponto de vivenciá-lo nos palcos e nas telas. Foi a maneira de expressar seu amor pela bola.

Milton Gonçalves nasceu em Monte Santo de Minas, mas se mudou para São Paulo ainda na infância. Na capital, o garoto abraçou logo cedo o Corinthians. Uma questão de identificação, como contaria ao Redação SporTV: “Fomos muito pobres para São Paulo e nos escondemos em alguns lugares. Num belo dia, eu começo a escolher o time de futebol. Vou falar de coração: a gente tem coisas racistas neste meio – embora a gente não queira, nós temos. No Corinthians tinha negros e nos outros times não tinha. Eu tô velhinho, negro não jogava futebol. Então, eu torcia para o Corinthians”.

O envolvimento de Milton Gonçalves com a dramaturgia começou também em São Paulo. O ator fez parte do histórico Teatro de Arena, marcado pela inovação e pelas críticas sociais nas peças. Inclusive, Milton participaria da primeira montagem relacionada ao futebol realizada no Brasil: “Chapetuba Futebol Clube”, de Oduvaldo Vianna Filho, que fez sua estreia em 1959. O elenco contava com outros grandes nomes, incluindo Flávio Migliaccio e Nélson Xavier. Era uma obra inovadora e que caiu no gosto de muitos futebolistas, por retratar uma face crua da modalidade.

O texto de Chapetuba Futebol Clube falava sobre a paixão ao redor do esporte, mas também sobre as trapaças e a corrupção que rondavam os bastidores. De qualquer maneira, o futebol servia mais como um trampolim à discussão sobre questões sociais. O ambiente do clube era, na verdade, um recorte do cotidiano e da sociedade como um todo. Já nos anos 1990, numa nova montagem, Milton Gonçalves seria diretor de “Chapetuba Futebol Clube”, com seu filho Maurício atuando em seu antigo papel de “Cafuné”.

A carreira de ator levou Milton Gonçalves de São Paulo para o Rio de Janeiro. Na nova cidade, o mineiro descobriu uma grande paixão através do Flamengo. “O Mengão é a minha felicidade”, definiria. Ele passaria a frequentar as arquibancadas do Maracanã, mas também mergulhou diretamente no dia a dia do clube, ao se tornar sócio. Passava os dias na sede social e também levava os filhos para praticar esportes. Tinha seu trânsito até entre os próprios craques rubro-negros, com quem convivia.

Milton Gonçalves confessava que sua maior alegria no futebol era o gol de Rondinelli em 1978. Também era próximo de Zico, a ponto de ser convidado para a despedida do craque antes do embarque para a Copa de 1982. Boleiro, que frequentava peladas dos artistas jogando como beque, esteve inclusive no jogo festivo que encerrou a carreira de Nunes. E se encantou tanto com a história de Adílio que a levou para as telas, através do seriado “Caso Verdade”, transmitido pela Rede Globo. Milton foi exatamente o diretor do episódio que recontava a trajetória do meio-campista.

Milton Gonçalves costumava ser chamado para comentar sobre o Flamengo nos jornais e até “time dos sonhos” elegeu na Placar. Mas o relacionamento do torcedor com o clube era bem mais profundo e o elevou a posições de prestígio. Era sócio emérito e chegou a ser vice-presidente social, durante a gestão de Edmundo Santos Silva. Também fez parte de uma chapa nas eleições de 2012. Tinha respeito nos corredores rubro-negros pela maneira como se importava com o bem-estar de todos envolvidos.

E a voz de Milton Gonçalves exprimiria a paixão pelo Flamengo muitas vezes. A Rede Globo aproveitou isso e chamou o ator para interpretar alguns textos que exaltam o clube. “Ser Flamengo”, exibido em 2009, toca fundo na alma da torcida pela tradução de um sentimento. Milton também daria voz a uma crônica sobre o sensacional Fla 5×4 Santos de 2011. Até chamada da Libertadores gravou para o canal. Em outros trabalhos, seu timbre inconfundível foi emprestado a Pelé. Ator principal no filme “Pedro Mico”, o Rei acabou dublado pelo craque da dramaturgia nas telonas. Também serviu de narrador de “1958, o ano em que o mundo descobriu o Brasil”, documentário que fala sobre a imagem brasileira a partir da Copa do Mundo.

“A profissão de ator está muito próxima da de jogador de futebol. Somos irmãos até no infortúnio. As coisas que estão erradas com os jogadores, estão conosco também. E é por causa disto que falo dos assuntos do futebol e dos jogadores, com a mesma paixão que trato das coisas da minha profissão. Bem, é claro que sou um torcedor da melhor qualidade. Fã mesmo, de ir ao estádio e torcer com força”, diria ao Jornal dos Sports, nos anos 1980.

Milton Gonçalves transitou pelos dois caminhos, como um profissional da arte dos palcos e um amante da arte dos gramados. Deixou admiradores por onde passou. Deixou também um monte de gente que se identifica com seus personagens, com suas histórias e com suas paixões. Que admira o seu talento.

Por Leandro Stein na Trivela



Fonte: Trivela....from Trivela https://ift.tt/ENJZhxf
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