"Tem coisas que só acontecem com o Botafogo". A frase publicada pelo jornalista Paulo Mendes Campos no texto 'O Botafogo e eu', para a 'Revista Manchete', em agosto de 1962, nunca foi dita por tantos torcedores como em 2023. Com a derrocada do Alvinegro na reta final do Campeonato Brasileiro, os apaixonados por futebol resgataram a famosa expressão que pode resumir a trajetória no clube na atual temporada, desde o início vexatório no estadual até a enorme vantagem estabelecida para os rivais na liderança do Brasileirão, posteriormente perdida para o Palmeiras.

O Botafogo encerrou o seu ano na última quarta-feira (06), contra o Internacional, de forma melancólica. Sem a conquista do Brasileiro, o Glorioso termina a temporada apenas com o título da Taça Rio, mais criticado do que celebrado pelos torcedores e jogadores devido às circustâncias do estadual.

A queda histórica na liga nacional após liderar a competição por 31 rodadas passa por diversos pontos. Ao longo do Brasileiro, foram cinco treinadores diferentes, com mudança de maré motivada até mesmo por ligação de Cristiano Ronaldo, entre fatores emocionais diante de tropeços e pressão pela conquista praticamente sacramentada.

Abaixo, a TNT Sports Brasil destrincha a trajetória do Glorioso durante todo o ano de 2023 e os principais motivos da perda histórica do Campeonato Brasileiro:

Vexame no Estadual e surpresa no início do Brasileiro

Tiquinho Soares foi um dos principais jogadores do Botafogo no primeiro turno do Brasileirão Luís Castro deixou o Botafogo sob vaias após aceitar proposta milionária em meio ao Brasileirão | Getty Images Bruno Lage não conquistou, em momento algum, a confiança do torcedor do Botafogo | Jorge Rodrigues/AGIF Ex-jogador, Lúcio Flávio foi demitido após clima se tornar insustentável | Luis Moura/WPP Jogadores do Palmeiras celebram virada enquanto Di Plácido lamenta tropeço | Getty Images Tiago Nunes chegou para reorganizar os cacos | Getty Images

O Botafogo iniciou a temporada embriagado pela desconfiança. Sob o comando do técnico Luís Castro, que estava no clube desde março de 2022, a equipe alvinegra não conseguiu bons resultados - tampouco boas atuações - e ficou fora da briga pelo título estadual antes mesmo da disputa das semifinais.

A quinta posição na competição colocou o trabalho do mister português em xeque diante da pressão da torcida. No entanto, o treinador teve a sua permanência garantida por John Textor, proprietário da SAF do clube. Sem chances de título do Carioca, o Botafogo disputou a Taça Rio, competição que abrigou as equipes que terminaram entre a 5º e a 8º colocação na Taça Guanabara, a fase de classificação do torneio. A melancólica conquista veio com triunfo sobre o Audax Rio, em um Raulino de Oliveira com pouco mais de 1400 presentes.

A partir daí, o Botafogo mudou a sua postura e se apresentou como um novo time, em termos técnicos, táticos e mentais, para a disputa do Brasileirão. A vitória sobre o São Paulo, na primeira rodada da competição, evidenciou o novo comportamento da equipe.

Em seguida, veio uma sequência surpreendente e dominante: o Fogão venceu todos os jogos em casa, derrotou favoritos em partidas emblemáticas - como as diante de Flamengo e Palmeiras, ambas como visitante - e fechou o primeiro turno com 48 pontos, a melhor campanha da história de um time no Brasileiro por pontos corridos.

Saída de Luís Castro e início da derrocada com troca de técnicos em sequência

Tudo parecia correr bem. O Botafogo fazia história. Enchia o bairro do Engenho de Dentro com camisas preto e brancas. Via a torcida coreografar semanalmente lindas festas com homenagens a jogadores, ídolos e à instituição.

No entanto, um telefonema ainda na primeira etapa da competição mudaria os rumos do Glorioso. Após dar a volta por cima, o técnico Luís Castro entrou na mira do Al-Nassr, da Arábia Saudita, durante a janela de transferências. Balançado, o mister português recebeu uma ligação de Cristiano Ronaldo, astro do clube e principal referência do esporte em seu país, e aceitou a proposta.

Luís Castro deixou o Botafogo sob vaias após aceitar proposta milionária em meio ao Brasileirão | Getty Images Bruno Lage não conquistou, em momento algum, a confiança do torcedor do Botafogo | Jorge Rodrigues/AGIF Ex-jogador, Lúcio Flávio foi demitido após clima se tornar insustentável | Luis Moura/WPP Jogadores do Palmeiras celebram virada enquanto Di Plácido lamenta tropeço | Getty Images Tiago Nunes chegou para reorganizar os cacos | Getty Images

O Botafogo soube lidar com a saída sob o comando de Cláudio Caçapa, antes auxiliar-técnico do Lyon, que liderou a equipe carioca em quatro partidas até a chegada do treinador Bruno Lage. Caçapa venceu os quatro jogos em que esteve presente, mas estava na área técnica para suprir a ausência, por pouco tempo, de um efetivado na função.

O novo treinador português chega com o respaldo de Textor, mas não conquista o torcedor. Desde os primeiros jogos, escolhas por peças e mudanças no estilo de jogo são contestadas. A gota d'água, além dos resultados negativos e a eliminação das quartas de final da Sul-Americana, competição preterida pelo clube em meio à disputa pelo Brasileirão, foi quando barrou Tiquinho Soares, até então o craque do campeonato. Além disso, Lage chegou a colocar o cargo à disposição após a derrota para o Flamengo, no Nilton Santos, mesmo com o Botafogo isolado na liderança da tabela.

Bruno Lage não conquistou, em momento algum, a confiança do torcedor do Botafogo | Jorge Rodrigues/AGIF Ex-jogador, Lúcio Flávio foi demitido após clima se tornar insustentável | Luis Moura/WPP Jogadores do Palmeiras celebram virada enquanto Di Plácido lamenta tropeço | Getty Images Tiago Nunes chegou para reorganizar os cacos | Getty Images

A reação dos jogadores sobre as decisões do técnico, sobretudo a opção por bancar Tiquinho, se mostraram fundamentais para a saída do português. Foram 16 jogos pelo clube, com cinco vitórias, sete empates e quatro derrotas.

Porém, logo em seguida, o Botafogo tomou uma decisão também contestada pela torcida: John Textor manteve Lúcio Flávio, auxiliar-técnico da casa, sob o comando interino da equipe. 

Viradas surreais e queda melancólica

Mesmo em crise diante dos problemas dentro e fora de campo, o Botafogo ainda liderava a competição com certa folga. O Glorioso começou a trajetória com Lúcio Flávio na primeira posição, com 52 pontos conquistados, na 26ª rodada.

Ex-jogador, Lúcio Flávio foi demitido após clima se tornar insustentável | Luis Moura/WPP Jogadores do Palmeiras celebram virada enquanto Di Plácido lamenta tropeço | Getty Images Tiago Nunes chegou para reorganizar os cacos | Getty Images

Foram duas vitórias seguidas contra Fluminense e América-MG. No entanto, os cinco jogos seguintes foram marcados por problemas para o Botafogo em todos os aspectos.

Com o Nilton Santos lotado - algo rotineiro nos jogos do Botafogo no Brasileirão -,  o clube empatou com o Athletico-PR em uma partida encerrada no dia seguinte da data oficial do confronto por conta de um apagão no estádio. A partir daí, foram quatro derrotas consecutivas e emblemáticas.

"Tem coisas que só acontecem com o Botafogo". A frase passou a ser proferida pelos torcedores pela sequência negativa marcada por grandes viradas de adversários diretos. Após o jogo contra o Furacão, o Alvinegro foi derrotado pelo Cuiabá, dentro de casa, por 1 a 0.

Em seguida, enfrentou o Palmeiras num confronto que poderia tirar o Alviverde da disputa pelo título. A equipe de Lúcio Flávio entrou ligada, dominante e mostrou a superioridade nos primeiros 45 minutos com três gols sob os olhares dos alvinegros. A imposição se inverteu no segundo tempo: Endrick desencantou, marcou dois golaços, participou do gol de empate e viu Murilo marcar o gol da virada - para muitos o gol do título - no último lance.

Jogadores do Palmeiras celebram virada enquanto Di Plácido lamenta tropeço | Getty Images Tiago Nunes chegou para reorganizar os cacos | Getty Images

E o roteiro foi ainda mais cruel: aos 38 minutos da etapa final, quando a partida ainda estava 3 a 1, Tiquinho desperdiçou cobrança de pênalti que poderia sacramentar o triunfo do Glorioso.

O raio caiu duas vezes no mesmo lugar. Sem confiança, o Botafogo foi derrotado pelo Vasco em São Januário na rodada seguinte e recebeu, no mesmo local - agora como mandante -, o Grêmio. Em noite de Luís Suárez, o Imortal Tricolor perdia por 3 a 1, mas virou para 4 a 3 nos minutos finais. E caiu pela terceira vez, no Nabi Abi Chedid, quando o Alvinegro sofreu o gol de empate contra o RB Bragantino no último minuto, e perdeu a liderança da competição após 31 rodadas na frente de todos os adversários.

Caiu o raio e, consequentemente, caiu Lúcio Flávio. A solução caseira deu lugar a Tiago Nunes, mas não seria possível recuperar o mental do elenco em tão pouco tempo. Em cinco jogos, foram quatro empates, sendo um deles com gol sofrido no último lance de jogo após Tiquinho marcar um minuto antes, e uma derrota.

Tiago Nunes chegou para reorganizar os cacos | Getty Images

Desfecho arrasador e planos para 2024

O Botafogo não só perdeu a liderança, como terminou o Campeonato Brasileiro na quinta colocação. A equipe não conseguiu uma vaga direta na fase de grupos da Libertadores, mas disputará a fase anterior de olho na classificação.

John Textor e companhia buscam retomar aquele Botafogo de 48 pontos do primeiro turno. Serão realizadas algumas mudanças no elenco, com saídas de jogadores - Lucas Fernandes e Di Plácido, emprestados ao clube em 2023, não serão comprados e retornam, respectivamente, a Portimonense e Lanús.

No texto "O Botafogo e eu", de Paulo Mendes Campos, o jornalista aponta, sem querer, para o futuro: "O Botafogo é capaz de cometer uma injustiça brutal a um filho seu, e rasgar as vestes com as unhas do remorso". Injustiça quando o clube permitiu aos seus torcedores sonhar com a conquista de um eventual tricampeonato. Um roteiro, acima de tudo, arrasador. Uma queda, mais do que nunca, cruel.



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