Egito e Marrocos estão entre as maiores seleções da África, pelo peso adquirido ao longo de décadas na Copa Africana de Nações e também na Copa do Mundo. Além disso, há uma rivalidade alimentada pela proximidade geográfica e cultural, impulsionada pela importância dos próprios clubes, embora não seja comparada àquela que ambos nutrem por alguns vizinhos. Naturalmente, existem episódios importantes que enriquecem tal passado entre Faraós e Leões do Atlas. Os jogos competitivos se acumulam especialmente no Século XX, enquanto o embate pelas quartas de final da Copa Africana de 2022 oferecerá mais um capítulo importante neste domingo.

Marrocos e Egito (então chamado de República Árabe Unida) se enfrentaram pela primeira vez em 1961, pelos Jogos Pan-Árabes, com vitória marroquina por 3 a 2 na decisão do torneio de futebol. Aquele seria um capítulo isolado até que a rivalidade realmente florescesse a partir da década de 1970. Tanto é que o segundo encontro só aconteceu dez anos depois, em 1971, pelas eliminatórias da CAN 1972. Os Leões do Atlas de novo se deram melhor, com a vitória por 3 a 0 em Casablanca, que os colocou na fase final do torneio mesmo com a derrota por 3 a 2 no Cairo. Aquela era a primeira vez que os Faraós se ausentavam da Copa Africana por falharem nas eliminatórias. Um dos destaques marroquinos naqueles jogos foi Driss Bamous, meio-campista do FAR Rabat que tinha sido um dos principais nomes da equipe na campanha da Copa de 1970.

Apesar do Egito ter surgido como uma força continental nos primórdios da Copa Africana, Marrocos era uma seleção mais relevante nos anos 1970 e 1980. Assim, a freguesia se ampliou bastante nos anos seguintes. Um momento importante aconteceu na CAN 1976, ainda hoje a única conquistada pelos Leões do Atlas. Na época, a fase final era disputada em um quadrangular, reunindo as quatro melhores equipes. Marrocos abriu seu caminho à taça com um triunfo sobre o Egito, por 2 a 1 em Addis Abeba. Nigéria e Guiné eram os outros concorrentes naquele momento decisivo, com o empate marroquino diante dos guineenses valendo a conquista na rodada final.

O primeiro gol de Marrocos na vitória sobre o Egito, aliás, seria marcado pelo jogador mais importante do país naquele período histórico. Ahmed Faras defendeu os Leões do Atlas de 1966 a 1979, com 94 partidas e 36 gols. Ainda hoje é o segundo com mais aparições pela equipe nacional e o maior artilheiro. Presente na Copa de 1970 e nas Olimpíadas de 1972, o atacante do Chabab Mohammédia chegou àquela Copa Africana eleito melhor jogador do continente em 1975. Capitão do time, seria apontado também como o craque da CAN 1976. Ahmed Abou Rehab até empatou aquele jogo para o Egito, mas o meio-campista Abdelâali Ali Zharoui seria o herói marroquino com o gol decisivo aos 43 do segundo tempo.

Durante os anos 1980, os duelos por Eliminatórias da Copa do Mundo se tornaram mais constantes. Marrocos seria algoz do Egito no caminho para o Mundial de 1982, ao vencer por 1 a 0 em Casablanca e segurar o empate por 0 a 0 no Cairo. Porém, os Leões do Atlas não chegaram à Espanha, com duas derrotas para Camarões na fase decisiva. Em 1983, os marroquinos ganharam mais dois embates menores, pela semifinal dos Jogos do Mediterrâneo e pela decisão do terceiro lugar da Copa Palestina. Isso até que as Eliminatórias voltassem a cruzar o caminho dos rivais para o Mundial de 1986.

Egito e Marrocos se pegaram outra vez pela penúltima fase da classificação. E a supremacia dos Leões do Atlas no confronto teria mais um capítulo. Os dois times não saíram do 0 a 0 no Cairo, até que a vitória por 2 a 0 em Casablanca valesse a vaga na última etapa para os marroquinos. Uma das estrelas daquele time e eleito o melhor do continente em 1985, o ponta Mohamed Timoumi abriu o placar aos 37 minutos de jogo, com um petardo de fora da área que entrou no canto da meta de Ekramy El-Shahat. Já aos 40 do segundo tempo, uma linda jogada individual permitiu que o meia Aziz Bouderbala fechasse a conta. Aquele era um time muito forte do Marrocos, que passou pela Líbia na última fase das Eliminatórias e, na Copa, se tornou a primeira seleção africana a disputar os mata-matas. O goleiro Ezzaki Badou, considerado por muitos como o melhor africano da posição na história, era a grande estrela do período. Já na armação, Mustafa El Haddaoui era outra figura relevante.

O Egito, por outro lado, também não era um rival qualquer naquele momento. O time treinado pelo inglês Mike Smith tinha seu ataque encabeçado por Mahmoud El Khatib, um dos maiores atacantes africanos da história e lenda do Al-Ahly só comparável a Mohamed Aboutrika. Nomes como Mostafa Abdou e Magbi Abdelghani eram outros grandes. E, com essa equipe, os Faraós deram o troco em Marrocos na Copa Africana de Nações de 1986. Pelas semifinais, o triunfo por 1 a 0 bastou aos egípcios – apenas a segunda vitória em 14 encontros com os marroquinos até então. Taher Abouzeid marcou o gol decisivo, numa cobrança de falta venenosa para vencer Zaki aos 39 do segundo tempo. O Egito seria campeão daquela CAN, com vitória na final sobre Camarões, encerrando um hiato de 27 anos sem o troféu.

Egito e Marrocos não saíram do 0 a 0 num amistoso em 1988, placar que se repetiu em 1992, pelas eliminatórias da CAN 1994. As duas equipes ainda empataram por 1 a 1 o segundo encontro, resultado que prejudicou os marroquinos. Mesmo presente na Copa do Mundo de 1994, os Leões do Atlas não disputaram a CAN naquele ano porque ficaram abaixo de Mali e Egito no qualificatório. Nos anos seguintes, as duas seleções se encontraram novamente em três amistosos, com dois empates e um triunfo marroquino.

Na campanha das eliminatórias para a CAN 1998, calhou de Egito e Marrocos de novo caírem no mesmo grupo. Desta vez, os dois avançaram à fase final da competição. Os dois times empataram por 1 a 1 no Cairo, com tento de Hossam Hassan pelos egípcios e Salaheddine Bassir pelos marroquinos, dois jogadores significativos das seleções naquele período. Já em Rabat, o próprio Bassir garantiu o triunfo dos Leões do Atlas por 1 a 0. Apesar dos riscos de eliminação, os Faraós terminaram um ponto acima do ascendente time de Senegal naquela chave.

Já na fase final, os dois times voltaram a se pegar na fase de grupos. O embate da rodada final, porém, não teria tanta importância assim, com o Egito classificado para os mata-matas e Marrocos dependendo só de um empate para ficar à frente de Zâmbia. No fim das contas, os egípcios tiraram o pé e os marroquinos venceram por 1 a 0. Não seria um gol qualquer, ainda assim: aos 45 do segundo tempo, Mustapha Hadji exibiu o melhor de seu talento e subiu muito alto para emendar um chute de bicicleta perfeito, na gaveta. Certamente um dos gols mais bonitos da história da CAN, que serve de prova sobre o talento do habilidoso camisa 7.

Treinado por Henri Michel e classificado à Copa do Mundo, Marrocos caiu logo nas quartas de final para a África do Sul. Já o Egito venceu Costa do Marfim e Burkina Faso, antes de celebrar o título em cima dos Bafana Bafana. Histórico treinador dos Faraós, que botou o país na Copa de 1990, Mahmoud El-Gohary conduziu aquela conquista num time estrelado por Hossam Hassan, Ahmed Hassan, Hany Ramzy e Nader El-Sayed. Todavia, faltaria a presença no Mundial a uma boa parte daquela geração egípcia.

Nas Eliminatórias para a Copa de 2002, a lembrança seria amarga tanto para Egito quanto para Marrocos. Os dois ficaram de fora no mesmo grupo, que garantiu a vaga para o memorável time de Senegal, à frente dos marroquinos no saldo e com dois pontos a mais que os egípcios. Nos confrontos diretos entre os rivais do norte da África, empate por 0 a 0 no Cairo e vitória dos Leões do Atlas por 1 a 0 em Rabat – mais uma obra de arte de Hadji, agora num foguete de primeira na meia-lua, que não deu qualquer chance ao goleiro Nader El-Sayed.

Em 2006, Egito e Marrocos estavam no mesmo grupo da Copa Africana. Apesar do vice-campeonato continental de dois anos antes, o momento era de declínio aos marroquinos, que ainda tinham Noureddine Naybet liderando a zaga e Marouane Chamakh no ataque. Já o Egito vivia sua explosão sob as ordens de Hassan Shehata. Ahmed Hassan, Mido, Amr Zaki, Mohamed Aboutrika, Ahmed Fathi, Wael Gomaa e Essam El-Hadary formavam a base de um timaço. Empurrados pela torcida no Estádio Internacional do Cairo, os Faraós martelaram bastante, mas não saíram do 0 a 0. Aquele tropeço, ao menos, não custaria tão caro. Os egípcios passaram de fase, com os marroquinos eliminados sem qualquer vitória. Nos mata-matas, o Egito conquistaria ali seu primeiro troféu dos três seguidos emendados até 2010.

Por fim, depois de 11 anos sem jogos, o capítulo mais recente ocorreu na Copa Africana de Nações de 2017, quando os dois vizinhos mediram forças nas quartas de final. Era um período de renascimento tanto para Egito quanto para Marrocos, que encerrariam seus hiatos na Copa do Mundo logo depois. Em campo, os Leões do Atlas dirigidos por Hervé Renard já reuniam nomes importantes da equipe atual, como Youssef En-Nesyri e Romain Saïss, além de contarem com a experiência de Mehdi Benatia, Nabil Dirar e Mbark Boussoufa. Já os Faraós de Héctor Cúper confiavam no capitão Essam El-Hadary, muito bem acompanhado pela eclosão da geração de Mohamed Salah, Trezeguet e Ahmed Hegazy.

A partida seria bastante animada ao longo dos 90 minutos. O Egito foi mais perigoso durante o primeiro tempo, mas Marrocos também fazia os adversários prenderem a respiração em cruzamentos venenosos. Os marroquinos passaram a assustar mais durante a segunda etapa, inclusive com um chute de Boussoufa que estalou o travessão de El-Hadary. Porém, aos 41 do segundo tempo, os egípcios selaram a vitória por 1 a 0. A partir de um escanteio, Kahraba insistiu até marcar na pequena área. Os Faraós passaram por Burkina Faso na semifinal, até a derrota para Camarões na decisão. Cinco anos depois, o tira-teima trará novos personagens e uma boa chance para os Leões do Atlas reafirmarem sua supremacia no duelo, com 12 vitórias e só três derrotas em 27 encontros.



Fonte: Trivela....from Trivela https://ift.tt/bvGRF9PEn
via IFTTT